terça-feira, 21 de abril de 2020

Os primeiros dias.

Meus primeiros dias de confinamento foram péssimos. A falta de perspectiva, a incerteza do que vinha pela frente e as notícias que vinham dos outros países me deixaram muito mal.

Meus gatilhos disparavam a qualquer tosse, a qualquer dor de cabeça ou a qualquer vento que entrava pela janela. Meus ouvidos estavam ligados a qualquer som estranho que ecoasse pela casa. 
Eu já não sabia o que fazer. A paranoia que sempre fez parte da minha vida se acentuou. Não sei contar as vezes que coloquei a mão na testa, medindo minha temperatura, e nem quantos litros engoli de saliva, pra saber se eu estava com dor de garganta. Era como se eu procurasse pelos sintomas antes de ser encontrado por eles. Não só em mim, mas em minha mãe e minha irmã também.

No pique esconde, por exemplo, eu sempre preferi procurar do que me esconder. Não gostava da adrenalina de ser encontrado a qualquer momento. Hoje entendo que já era a ansiedade se fazendo presente. No futebol, fico infinitamente mais nervoso quando meu time está ganhando, pois me bate a expectativa do tempo não passar e o time adversário empatar o jogo. Mas quando isso não acontece, a sensação de prazer é indescritível.

Com essa minha procura pelos sintomas, além de meus remédios para pressão e meu antidepressivo, uma caixa de Benalet passou a ser figurinha fácil na cabeceira de minha cama. A qualquer desconforto na garganta, uma pastilha.

Mas apesar de toda essa preocupação, eu sabia que não poderia evitar o contato com o mundo exterior por muito tempo. Além de precisar ir na gráfica pelo menos mais um dia, para deixar tudo organizado para ficar um bom tempo sem precisar voltar lá, em algum momento precisaríamos fazer compras no supermercado, alguma coisa da farmácia, ou alguma outra possível necessidade básica. Enfim, a vida continuava e ainda não estávamos preparados para uma guerra nuclear. 

Mas como eu faria isso se a cada dia que passava, pior eu ficava de cabeça? Já tive depressão e um episódio de síndrome do pânico e não poderia deixar esse medo me dominar novamente. 

Logo nos primeiros dias, resolvi que não assistiria mais televisão, principalmente os telejornais. Na verdade, além da informação, eu buscava aquela notícia que todos esperavam, ou seja, a descoberta da cura. Mas aquilo estava aumentando minha ansiedade. Principalmente quando via as imagens. Aquilo era angustiante. As notícias ruins vinham em avalanche, e meus gatilhos disparavam feito metralhadora. Antes de qualquer medida protetiva, eu precisava cuidar da mente em primeiro lugar. E não era exatamente na fonte de notícias ruins que isso iria acontecer.

Sabem quando os filhotes de um pássaro estão no ninho, famintos, esperando o alimento chegar? Era exatamente assim que meus pensamentos estavam com relação aos noticiários. Se alimentando de notícias ruins.


Meus pensamentos, famintos.

Decidi não alimentar mais os filhotes. Não que as notícias ruins não devam ser mostradas, muito pelo contrário, mas precisamos de um contraponto. Eu precisava de alguma coisa que me desse esperança, que me fortalecesse. Até poderia saber das mortes que estavam acontecendo pelo mundo, mas não precisava ver as mães chorando a perda de seus filhos em cima do caixão. Acho desnecessário. 

Outra coisa que me incomodava, era até que ponto não estavam politizando certas informações? Tanto as positivas, quanto as negativas. Tanto de um lado, quanto de outro. Na dúvida, preferi me poupar.

E isso não se resumia apenas à televisão. Não tenho Facebook, mas imagino o quanto de desinformações não surgem de lá. Sem falar nos grupos de WhatsApp?

Outro dia recebi um vídeo num dos grupos que participo. Esse vídeo mostrava um rapaz agonizando, buscando o ar que não vinha. Ele estava morrendo de Covid 19. A cena era chocante, assustadora. Assim que percebi do que se tratava, desliguei imediatamente. Mas já era tarde, meus gatilhos dispararam, meu rosto esquentou e paralisei. Literalmente.

Durante algumas horas me imaginei naquela situação. Tentei dormir, mas não consegui de forma alguma.

Um pouco mais tarde fui descobrir que aquele vídeo não era real.  Aquela cena era de um filme chamado "Pandemia". Agora me respondam, pra que isso? O que faz um infeliz buscar uma cena de um filme como esse, e jogar na rede como se fosse real? Isso é desumano demais.

Ainda tive a felicidade de descobrir que era fake, mas enquanto não soube da verdade, imaginem quantos gatilhos foram disparados em minha mente.

Apesar de resolver evitar essas notícias, é claro que não poderia ficar alienado do mundo. Tinha que saber o que estava acontecendo, mas me permitia apenas procurar notícias em portais na internet. De vez em quando fuçava alguma ou outra coisa. Ali eu me informava, mas só me aprofundava nas notícias que realmente me interessavam, ou que eu estava preparado pra saber. Até lia as notícias ruins também, mas o impacto era infinitamente menor.

De certa forma, deu certo. Parei de receber balas perdidas e passei a encarar os tiros com colete a prova de balas. A ansiedade diminuiu bastante com isso.

E foi assim que me senti mais fortalecido para encarar novamente o mundo lá fora, depois de alguns dias confinado dentro de casa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário