sábado, 11 de abril de 2020

Encarando o inimigo.

O combinado com o Chiquinho seria que eu ficaria trabalhando até umas 16 ou 17 horas, mais ou menos, e depois ele iria lá me buscar.

No meu entender, o pior já havia passado. Lá na gráfica eu ficaria isolado, sem o menor contato com as pessoas. Depois que deixei de trabalhar definitivamente com meu pai, em 2009, o convenci de terceirizar todos os nossos serviços. Sendo assim, somos apenas eu e ele trabalhando. Não temos mais funcionários.

Tínhamos uma estrutura até razoável. Não deixávamos nada a desejar a qualquer gráfica de médio porte. Só que, com o avanço dos computadores, nossos clientes se reduziram a metade, ou até menos. Algumas máquinas se tornaram obsoletas, e outras só eram utilizadas esporadicamente. Muita gente conhecida quebrou.

Sendo assim, porque não vender essas máquinas e passar a trabalhar com mão de obra? Receberíamos todos os pedidos normalmente, mas a impressão seria feita em outro lugar. Apenas continuaríamos com as encadernações, que nada mais é do que dar acabamento nas mercadorias. Isso poderia ser feito perfeitamente por apenas um funcionário.

Meu pai teria menos trabalho, e eu poderia me desligar da firma sem a consciência pesada. 

E assim funciona até hoje, mesmo após a minha volta. Já havia aprendido muita coisa, tanto de impressão, quanto de encadernação, então eu poderia perfeitamente dar conta do recado.

Neste dia, especificamente, eu teria apenas que encadernar alguns pedidos, preparar a saída deles, emitir algumas notas fiscais, e ao final estaria liberado.

Cheguei, abri todas as janelas, coloquei minha playlist de rock no último volume e comecei a trabalhar. Estava bem tranquilo, apesar de tudo, envolvido com tanta coisa que tinha que fazer. E foi assim até que o primeiro raio de sol entrou pela minha janela. Deveriam ser umas duas horas da tarde, mais ou menos.

Quem nunca olhou para o raio de sol e não viu aquelas poeiras flutuando?



Sim, foi um prato cheio para minha mente neurótica. Não eram poeiras voando pelo ar. Era o próprio coronavírus entrando pela janela, e me cercando de tal forma que eu não poderia mais fugir. Eu havia caído numa emboscada. Fui atraído para meu próprio trabalho para ser infectado. 

É claro que eu sabia que aquilo era apenas poeira, mas confesso que a imagem foi uma tentação para a minha mente criativa. Como resolver aquilo? Simples, bastava ligar o ventilador e espalhar aquela poeirada toda. E assim foi feito.

Só que o gatilho na minha mente já havia sido acionado. Nada mais era exagero. Foi quando pensei em outra possibilidade:

"E esse ventilador em cima de mim? E se eu ficar gripado?"

Desliguei o ventilador pra não ficar gripado, é lógico. Preferi acompanhar o coronavírus com os próprios olhos, até porque a melhor forma de combater um inimigo é o mantendo por perto. Se algum coronavírus chegasse perto de mim, eu assoprava bem forte. Genial.

E assim voltei a pensar no trabalho.

De repente, quando já estava bem envolvido no que estava fazendo, reparei que havia sido picado por um pernilongo bem na batata da perna. Como eu iria apenas ficar dentro da gráfica, sem contato algum com os clientes, fui trabalhar de bermuda, camiseta e chinelo de dedo. Por pura comodidade, comecei a coçar a perna com o pé. Uma vez, duas vezes, três vezes...

Foi quando me deu um estalo. E se o chão estivesse contaminado? Acabei de passar o vírus na minha perna toda. Estou infectado. Vou morrer por causa de um descuido meu, por preguiça. Não tive o cuidado de pensar nisso, e agora? Me levantei imediatamente, saquei o álcool em gel do bolso, e praticamente tomei um banho. Parecia que eu estava passando protetor solar no corpo. 

Mais uma vez salvo, mas os pensamentos ruins estavam aparecendo com mais frequência. Já estava na hora de ir pra casa.

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