quarta-feira, 8 de abril de 2020

O início da quarentena.


É claro que essas minhas neuroses não se resumem a uma ou a outra saída de casa. Elas me acompanham no dia a dia, seja na rua, no trabalho ou no clube, por exemplo. E até mesmo sem sair. Essas coisas não escolhem dia e nem lugar.

Acompanhando os noticiários, entendi que minha quarentena deveria começar o quanto antes. Até pelo pânico que eu já estava sentindo. A princípio, minha maior preocupação era com meus pais, ambos no grupo de risco. Tinha o receio em ser o responsável em levar o vírus para eles.

Como já mencionei na postagem anterior, meu pai tem 81 anos, mas é super ativo. Trabalha até hoje. Aliás, voltamos a trabalhar juntos desde que voltei de minhas jornadas em São Paulo e Mato Grosso do Sul.

Não tenho medo de afirmar que a gráfica talvez seja a coisa mais importante na vida dele. Ele respira aquilo lá, ama cada centímetro daquele lugar. Seu coração e sua alma estão ali dentro. E gosto de ter essa percepção. Diante disso, como convencê-lo que seria necessário que ele ficasse em casa? Confinado. Sem previsão de sair. Como ele reagiria?

As notícias que já tomavam conta dos telejornais me ajudaram muito. Principalmente porque insistiam muito no perigo desta doença para os idosos. Além do mais, meu pai é um cara medroso quando o assunto é saúde. Aproveitei a situação e com muito papo e, principalmente, muito terrorismo, consegui com que ele não saísse mais. Mas sabia o quanto seria difícil, o quanto ele ficaria desesperado e angustiado com o fato de não trabalhar. Enfim, não tinha outra alternativa. Prisão domiciliar.

Chegamos num acordo e ele ficaria de casa mantendo os contatos com os clientes, cuidando dos pedidos, e eu iria para a gráfica resolver as pendências, liberar os produtos, pagamentos, enfim de todo o resto. Isso apenas quando necessário.

Eu não saía de casa desde a sexta passada, dia 13, quando levei minha mãe ao médico. Mas já estava na hora de encarar a realidade, e combinamos que eu iria trabalhar na quarta, dia 18. Sabia da importância de estar lá, pois tínhamos pedidos pendentes para entrega, e os clientes já estavam reclamando. 

Na terça feira, no dia anterior, fui dormir muito tenso. Aliás, tentar dormir. Virava de um lado para o outro, feito bife a milanesa, ansioso, pensando como seria a minha saga do dia seguinte. Eu estaria novamente exposto ao perigo, a pessoas contaminadas me perseguindo, querendo a minha alma. Depois de muitas caminhadas pela casa, muitos assaltos à geladeira, e muitas playlists no Spotify, adormeci. Deveriam ser quase cinco da manhã.



Havia marcado com um taxista conhecido que ele viria me buscar às nove. Acordei muito cedo, e assim que levantei tive um acesso de tosse incontrolável. Isso sempre acontece quando estou extremamente nervoso. Eu não estava legal, mas estava seguindo o combinado. Fui tomar um banho e deixei a água cair por vários minutos, tentando relaxar. Em vão. Não parava de pensar nesse pesadelo que estava acontecendo, no que seria de nossas vidas, e como eu faria para atravessar essa tormenta sem sequelas. 

Tanto pensei, tanto sofri, que o universo resolveu conspirar a meu favor. Só pode ser. Sem que eu movesse uma palha, o sabonete que estava quietinho na saboneteira caiu. Isso mesmo. Enquanto tentava relaxar com a água caindo na minha cabeça, o sabonete simplesmente caiu no chão, sozinho.

Santo sabonete!

Eu estava tão tenso, que ao tentar pegar o sabonete, minha coluna travou de uma tal forma que não consegui mais me mover. Juro. Tenho dores na coluna desde os doze anos, mas nunca havia sentido uma dor daquelas. Fiquei todo torto debaixo do chuveiro, com muitas dores e sem conseguir pedir ajuda. Mas estava aliviado. Aliviado é pouco. Eu estava feliz, afinal de contas não teria mais a menor condição de sair de casa. Acreditem, cheguei a pensar que pudesse ter sido um aviso de Deus. Não saia.

Tudo bem, eu já sabia que não havia a menor condição de ir trabalhar, mas a minha preocupação passou a ser outra. Como sair do banheiro daquele jeito?

Estava ali a quase uma hora, sem me mover, trancado e debaixo do chuveiro. Seria muita humilhação conseguir me livrar do coronavírus, mas morrer daquela forma. Torto, pelado e enrugado de tanta água.

Com muito custo, consegui me agachar e me arrastar para fora do box. Estiquei o braço, peguei uma toalha e abri a porta. Isso sem mexer o tronco. Caminhando com uma dificuldade gigantesca, consegui chegar na sala.



"Meu filho, o que aconteceu?"

"Colunavírus, mãe."


Cheguei até o sofá e demorei mais meia hora para me sentar. Aí sim consegui explicar o que havia acontecido. Fiquei ali por um bom tempo, mas não poderia ser para sempre. Tive que me virar sem sair do lugar até ficar com o rosto colado no encosto do sofá. Fui descendo até que cheguei ao chão, e assim fui me arrastando até o quarto.

Foi aí que liguei para o meu pai avisando que não daria pra sair de casa. Felizmente. 

Nem sei se ele acreditou, mas adiei o meu sofrimento para o dia seguinte. Ou não.

Um comentário:

  1. Oi meu filho, mais um ótimo texto. Mais dramático que o primeiro e com menos humor. PARABÉNS!!!!

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